A competência dos estados e municípios nas medidas de contenção ao novo coronavirus e a atuação das Guardas Municipais

A DIVERGÊNCIA DO
ISOLAMENTO SOCIAL DURANTE A PANDEMIA
O novo Coronavírus
(Covid19) trouxe ao mundo uma nova e triste realidade impactando a saúde e
economias mundiais de maneira brutal.
Até este momento
mais de 2 milhões de pessoas foram contaminadas e mais de 100 mil perderam a
vida em todo o planeta, além da paralisação, com esforços concentrados em
pesquisa e ampliação da rede hospitalar mundial para o enfrentamento da
pandemia.
No Brasil, o
isolamento social também acontece visando reduzir a velocidade de contágio da
doença para que o sistema de saúde tenha tempo de potencializar sua capacidade,
ao mesmo tempo que pesquisadores do mundo todo buscam alternativas.
Entretanto, no
nosso País, o assunto ganhou ares de politização em virtude de o isolamento
social ser considerado exagerado por uma determinada corrente e adequada para a
outra.
A parte que quer
flexibilizar o isolamento alegando o grande prejuízo à economia propõe o
isolamento vertical onde as pessoas voltariam a trabalhar com exceção
dos idosos e grupos de risco (hipertensos, diabéticos, asmáticos, imuno
deprimidos e pacientes com câncer). Entre seus defensores está o Presidente da
República.
A ala que pretende
manter o modelo de isolamento horizontal (todos em casa, exceto os
serviços essenciais) tem como simpatizantes os Governadores e muitos Prefeitos
sob a alegação da preservação à vida e conservação da saúde pública.
O artigo não visa
discutir qual das duas correntes é a certa, uma vez que as duas defendem pontos
importantes, mas sim o imbróglio criado entre o Presidente, Governadores e
Prefeitos sobre a competência para legislar sobre as medidas de contenção e
isolamento ao novo coronavírus (covid-19).
Entre discussões
via imprensa, entre o Presidente e Governadores, e divergências as medidas de
isolamento como fechamento dos comércios e bloqueios de transportes de cargas e
passageiros o governo emitiu a medida provisória 926 de 20 de março de 2020 que
alterou a Lei Federal nº 13979 de 06 de fevereiro de 2020 que dispõe sobre as
medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do Corona vírus responsável pelo surto de 2019.
Tal medida
provisória trouxe um intenso questionamento sobre as medidas que poderiam ser
adotadas por Govenadores e Prefeitos uma vez que o artigo 3º, paragrafo 9º
restringiram os atos ao Poder do Presidente da República senão vejamos:
1º A Lei nº
13.979, de 6 de fevereiro de 2020, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 3º
Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente do Corona vírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas
competências, dentre outras, as seguintes medidas:
...
VI - restrição
excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos
de:
a) entrada e saída
do País; e
b) locomoção
interestadual e intermunicipal;
...
§ 8º As
medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício
e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais.
§ 9º O
Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e
atividades essenciais a que se referem o § 8º.
(...)
Com essa restrição
o PDT (Partido Democrático Trabalhista) entrou no dia 23 de março com um pedido
de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI-6341) questionando os dispositivos
supra mencionados com o julgamento procedente no dia 15 de abril com a liminar
do Ministro Marco Aurélio de Melo sendo referendada pelo pleno com o seguinte
conteúdo:
DECISÃO: O TRIBUNAL, POR MAIORIA, REFERENDOU A
MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA PELO MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR), ACRESCIDA DE
INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AO § 9º DO ART. 3º DA LEI Nº 13.979, A
FIM DE EXPLICITAR QUE, PRESERVADA A ATRIBUIÇÃO DE CADA ESFERA DE GOVERNO, NOS
TERMOS DO INCISO I DO ART. 198 DA CONSTITUIÇÃO, O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PODERÁ DISPOR, MEDIANTE DECRETO, SOBRE OS SERVIÇOS PÚBLICOS E ATIVIDADES
ESSENCIAIS, VENCIDOS, NESTE PONTO, O MINISTRO RELATOR E O MINISTRO DIAS TOFFOLI
(PRESIDENTE), E, EM PARTE, QUANTO À INTERPRETAÇÃO CONFORME À LETRA B DO INCISO
VI DO ART. 3º, OS MINISTROS ALEXANDRE DE MORAES E LUIZ FUX. REDIGIRÁ O ACÓRDÃO
O MINISTRO EDSON FACHIN. FALARAM: PELO REQUERENTE, O DR. LUCAS DE CASTRO RIVAS;
PELO AMICUS CURIAE FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TELECOMUNICAÇÕES – FEBRATEL, O DR.
FELIPE MONNERAT SOLON DE PONTES RODRIGUES; PELO INTERESSADO, O MINISTRO ANDRÉ
LUIZ DE ALMEIDA MENDONÇA, ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO; E, PELA PROCURADORIA-GERAL
DA REPÚBLICA, O DR. ANTÔNIO AUGUSTO BRANDÃO DE ARAS, PROCURADOR-GERAL DA
REPÚBLICA. AFIRMOU SUSPEIÇÃO O MINISTRO ROBERTO BARROSO. AUSENTE,
JUSTIFICADAMENTE, O MINISTRO CELSO DE MELLO. PLENÁRIO, 15.04.2020 (SESSÃO
REALIZADA INTEIRAMENTE POR VIDEOCONFERÊNCIA - RESOLUÇÃO 672/2020/STF).
Portanto os
Decretos dos Governadores e Prefeitos mais restritos que os do Governo Federal
não estão em desacordo com o texto Constitucional, cabendo a possibilidade de
medidas mais restritivas destes analisadas e aplicadas de acordo com as
necessidades de cada local.
2 - O REFLEXO DA (ADI
6341) E AS ATRIBUIÇÕES DAS GUARDAS MUNICIPAIS DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E A LEI FEDERAL 13022/2014
Aonde a atuação
das Guardas Municipais pode entrar nesse contexto de prevenção e combate a
pandemia? Qual situação pode interferir na conduta de seus agentes perante
os atos normativos emitidos pelas autoridades locais? A Guarda Municipal pode
fiscalizar o cumprimento das medidas sanitárias dos Municípios? Qual a
fundamentação para isso?
Conforme
exposto anteriormente, a atuação dos municípios em atos de restrição ao
comércio e circulação é amparado pela Constituição da República sendo de
competência concorrente da União, Estados e Municípios a Saúde Pública.
Os Guardas
Municipais tiveram inicialmente a sua competência prevista no artigo 144 da
Constituição Federal em seu parágrafo 8º onde os Municípios poderiam constituir
guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,
conforme fosse disposto na Lei.
A grande discussão
desde então no ordenamento jurídico e no dia a dia das cidades é qual a
competência da Guarda Municipal se a princípio esse órgão seria meramente
patrimonial.
Para tanto é
preciso interpretar o dispositivo que regulou as atividades destas instituições
para entender as funções dentro deste cenário de
pandemia.
3 AS ATRIBUIÇÕES DAS
GUARDAS MUNICIPAIS PERANTE O SEU ESTATUTO GERAL (LEI Nº 13.022/2014)
Após a compreensão
que a missão das Guardas Municipais não se remete ao caráter meramente
patrimonial, pois estes órgãos, de fato, já contribuem com as mais diversas
atribuições no dia a dia em mais de 1000 mil municípios brasileiros devemos
lembrar que a Lei nº13022 de 2014 que veio trazer segurança jurídica e
padronizar nacionalmente as ações, as atribuições das Guardas Municipais.
A respectiva
Lei vinculou de maneira inquestionável as Guardas Municipais como força
complementar no sistema de Segurança Pública como se pode compreender da lista
de atribuições constantes principalmente nos seus artigos 2º e 5º.
Lei 13022/2014
(ESTATUTO GERAL DAS GUARDAS MUNICIPAIS)
Art. 2º. Incumbe
às guardas municipais, instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas
conforme previsto em lei, a função de proteção municipal preventiva,
ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal
(...)
Art. 5º. São
competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências
dos órgãos federais e estaduais:
I - Zelar pelos
bens, equipamentos e prédios públicos do Município;
II - Prevenir e
inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou
administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e
instalações municipais;
III - atuar,
preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção
sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações
municipais;
IV - Colaborar, de
forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que
contribuam com a paz social;
V - Colaborar com
a pacificação de conflitos que seus integrantes presenciarem, atentando para o
respeito aos direitos fundamentais das pessoas;
VI - Exercer as
competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros
municipais, nos termos da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de
Trânsito Brasileiro), ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com
órgão de trânsito estadual ou municipal;
VII - proteger o
patrimônio ecológico, histórico, cultural, arquitetônico e ambiental do
Município, inclusive adotando medidas educativas e preventivas;
VIII - cooperar
com os demais órgãos de defesa civil em suas atividades;
IX - Interagir com
a sociedade civil para discussão de soluções de problemas e projetos locais
voltados à melhoria das condições de segurança das comunidades;
X - Estabelecer
parcerias com os órgãos estaduais e da União, ou de Municípios vizinhos, por
meio da celebração de convênios ou consórcios, com vistas ao desenvolvimento de
ações preventivas integradas;
XI - articular-se
com os órgãos municipais de políticas sociais, visando à adoção de ações
interdisciplinares de segurança no Município;
XII - integrar-se
com os demais órgãos de poder de polícia administrativa, visando a contribuir
para a normatização e a fiscalização das posturas e ordenamento urbano
municipal;
XIII - garantir o
atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente
quando deparar-se com elas;
XIV - encaminhar
ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração,
preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário;
XV - Contribuir no
estudo de impacto na segurança local, conforme plano diretor municipal, por ocasião da
construção de empreendimentos de grande porte;
XVI - desenvolver
ações de prevenção primária à violência, isoladamente ou em conjunto com os
demais órgãos da própria municipalidade, de outros Municípios ou das esferas
estadual e federal;
(...)
Com todo o
arcabouço legal restaria a indagação de qual dispositivo daria respaldo para
eventuais conduções, após reiterados descumprimentos das medidas de cada
município na epidemia do novo Coronavírus (Covid 2019).
O tipo legal mais
adequado para a detenção de quem descumprir as determinações legais seria o
artigo 268 do Código Penal Brasileiro, combinado com a Legislação Municipal
adotada para o respectivo isolamento social.
Art. 268 -
Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou
propagação de doença contagiosa:
Pena - detenção,
de um mês a um ano, e multa.
O enquadramento
neste tipo penal não tem a pretensão de ser uma receita de bolo para a atuação
dos Guardas Municipais nos mais diversos municípios, mas tão somente um
direcionamento, uma vez que conduções de pessoas nesses períodos provavelmente
serão questionadas no judiciário ou enquadradas em outras tipificações legais
pela autoridade policial a depender do entendimento.
CONCLUSÃO
Em meio a todo o
cenário de incerteza, clamor social e diversas autoridades sanitárias opinando
por medidas de isolamento sociais, mais, ou menos brandas, muitos governos
estaduais e prefeituras editaram atos restringindo circulação, comércio,
fiscalização e implantação de barreiras sanitárias onde o papel das Guardas
Municipais tem sido fundamental para a efetivação de tais medidas.
O julgamento da
Ação de Inconstitucionalidade nº 6341 permitiu a possibilidade da edição dessas
medidas restritivas por outros entes além da União de maneira concorrente com
estados e Municípios onde está sendo questionado o “Poder de Polícia” das
Guardas Municipais para aplicação das medidas.
Não há
dúvidas que devem ser observados em cada caso concreto possibilidades
alternativas à detenção de pessoas no intuito de evitar excessos, pois
medidas de isolamento podem ser flexibilizadas pelas autoridades que as
editaram com o passar da semanas, além da pandemia obrigar os profissionais da
segurança e a população a conviverem num grau de estresse maior.
Entretanto, os
Guardas Municipais, estão sim, investidos de Poder de Policia Administrativo,
que nada mais é que o Poder de limitar liberdades individuais, com fulcro na
Lei Federal nº13.022 de 2014, no Código de Processo Penal, no artigo 268 do
Código Penal e nos atos legais das respectivas prefeituras, com total respaldo
legal para a sua atuação junto às equipes de saúde, de meio ambiente, de
vigilância sanitária, de trânsito, orientando e, no último caso, detendo quem
quer que descumpra as medidas de isolamento sociais propostas por cada ente.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Presidência da Republica. Casa Civil. Constituição
Federal de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em 16/Abr/2020.
________ Estatuto Geral das Guardas
Municipais-Lei 13.022 de 11 de agosto de 2014. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13022.htm>.
Acesso em 16/Abr/2020
________ Código Penal de 1940. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>.
Acesso em 16/Abr/2020.
________ Lei 13.979 de 2020. Disponível
em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm>.
Acesso em 16/Abr/2020.
________ Medida
Provisória 926 de 20 de março de 2020. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm#art1
>. Acesso em 16/Abr/2020
_________Supremo Tribunal Federal. Consulta
de Processos. Disponível em.
http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15342881218&ext=.pdf
. Acesso em 16/Abr/2020
Sobre o Autor:
Marcelo Alves - Advogado
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